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quinta-feira, 5 de agosto de 2010 @ 12:00
As paredes do banheiro ganham novas cores a partir do céu das duas da madrugada. Não se sabe o que é sombra e o que é ilusão. O chuveiro se mantém no mesmo local e é para lá que vou, escorregando minhas roupas para fora do meu corpo e desprendendo meu longo cabelo escuro, tornando ombros anteriormente expostos em manchas negras e sujas. A mão pálida e desgastada descansa na torneira e liga a água. Eu espero. "Esperando o fluxo." Me preparo como se fosse entrar para algum tipo de batalha entre minha pele e a água forte. Não consigo escutar nada e quando me dou conta, estou debaixo da água fervendo e cada pedacinho nu de mim agradece silenciosamente.
Há uma janela ao meu lado, um pouco acima da minha cabeça. Posso ver a maioria das luzes apagadas, e um conforto extremamente familiar toma conta e me balança quando penso que todos estão deitados. Serenos. Dormindo. A parte mais verdadeira e irreal do dia: o sono. Olho para fora como se olhasse num espelho, procurando aspectos conhecidos e descobrindo segredos que eu nunca esperei notar. Olho como se fosse um espelho porque me vejo: nas árvores, onde a natureza apodrece e se vai. No asfalto, onde os carros passam ligeiros. Nas casas, que guardam tanta coisa dentro de si. Nos pássaros, inquietos e receosos, voando para qualquer lugar que não seja o passado. Eu me sinto como parte de tudo.
Sento no chão do chuveiro e deixo a água cair rapidamente na minha nuca, descansando minha cabeça pesada em meus joelhos. "O que será do que não foi? Para onde vão todos os desejos calados e as ações frustradas?" Sussurro para o escuro, como se a minha voz rouca pudesse propagar alguma espécie de resposta. Alguém ou algo tão desesperado como eu. Mas nada. Nada vem. Nada foi.
Imagino um enorme buraco dentro do meu estômago e ele lateja, como se o nada incomodasse. Eu repudio o nada. Tão inquieto em sua solidão inexistente. Meu corpo tenta se livrar daquilo tudo e despeja a água salgada de meus olhos - estes vizinhos das olheiras, tão permanentes em meu rosto.
Já não sei o que é. O que sou. Já não sei o que é água, o que é choro. O que é sonho, o que é ilusão.
Com forças que já não me pertenciam, levantei imponente e desliguei a água. Desconhecendo se estava nadando em lágrimas ou não. Irônico como eu podia controlar a água - quente, gelada, forte, leve - algo tão externo, tão não-meu. E o fato de ser extremamente, claramente, irrevogável e intensamente complicado controlar o que era meu.