" ela sussurrava uma, duas, quantas vezes fossem necessárias.
O mar ia e vinha, afundando os pés da mulher na areia. Ela fechava suavemente os olhos porque acreditava que, fechando-os, conseguiria sentir muito mais do que estava a sua volta. Abrindo-os, todas as sensações se amenizavam e perdiam aquele brilho que a imaginação e o-não-conhecimento-das-coisas fornecem.
Ela tinha papéis na mão dela. Cartas. Abriu os olhos apenas para olhá-las e escolher, aleatoriamente, uma delas. Encarou a folha no topo de todas as outras e suspirou mais alto do que o normal.
9 de Novembro, período da manhã.
O começo me cobra uma enorme expectativa. Você, lendo este pedaço de papel, pode estar sentada numa janela e sentindo o vento no rosto. Pode se distrair pelo barulho que ele faz ao carregar consigo as folhas que caíram da árvore. Ou você pode estar num silêncio absoluto. Deitada em sua cama, debaixo das cobertas. Uma pequena lanterna na mão e esta folha na outra. E o silêncio pode gritar tão alto que tu não irás escutar o que eu tenho a te dizer. Sugiro que você mude de local. Se você está na cama, vá para a janela. Se está na janela, vá para a cama. Nunca acontece no lugar onde estamos, é sempre na vizinhança, é sempre ali ao lado.
9 de Novembro, meio dia.
Eu te desafio. Eu te desafio, meu amor, a pensar em mim. Sei que suas mãos e seus joelhos tremeram com esta possibilidade, bem neste momento (e ele estava correto, sim, o corpo da mulher estremeceu). Eu penso em você. Eu penso em ti. Eu penso nas suas mãos-tão-pequenas-e-adoradas. O céu contornava desenhos e todos eles tinham suas características.
10 de Novembro, período da manhã.
Desculpe pela demora. A opção de pensar em você fez com que a caneta em minha mão caísse e minha mente se aprofundou em tanto que eu era só torpor. Já não podia realizar movimentos.
Não quero transformar isto, estas palavras que são formadas a partir dessa tinta azul escura, em uma carta de amor. Não quero transfigurar tudo o que eu tenho que dizer para você em palavras soltas num papel, uma declaração do que faz parte de mim quando faço parte de ti. Não, não, não. Eu me recuso, por mais tentador que seja a ideia de falar e rodear e desenhar e cantar e criar poesias sobre você: não."
Ela dobrou todas as páginas que segurava na mão e olhou para frente, onde estava o mar. Aquele que a ensinava todos os dias o que era o azul.
"Um presente para mim mesma", ela repetiu mais uma vez antes de soltar sutilmente página por página, o vento carregando as palavras que foram escritas em tantos momentos diferentes: durante a madrugada-interminável-da-segunda-feira, quando o primeiro raio de sol do dia acenou para um rosto preguiçoso, durante a tempestade externa do céu e interna do escritor, durante as vinte e quatro horas a mais que o Domingo reserva, enquanto o café esfriava em cima da mesa, já que a ânsia por escrever era maior que a sede dos lábios secos, quando a insônia durava mais do que usualmente e ocasionava surtos apaixonados e erros gramaticais tão carinhosos quanto o ronronar de um gato a pedir seu leite que não vinha... Tudo isso indo embora e desaparecendo pedacinho por pedacinho e fragmento por fragmento, afogados pelo azul tão azul daquela manta que chamavam de mar.